quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Deleite/Consequências


Enquanto chorava de desgosto, deitada na cama sob as cobertas, vinham-me delírios e obscuros pensamentos. Meu coração batia pesado; e em luto, arrastava o sangue fazendo-o circular devagar, como um rio lodoso, as águas das margens ficam ali tantas semanas que começam a criar insetos repugnantes.
Para mim não havia solução: nunca o teria. Deitada ali, sem notícias dele, e contrariada sentia-me derrotada. Não conhecia nenhuma saída. Era uma agonia constante, que nunca me abandonava, velando, como uma assombração mal resolvida vela o cadáver já consumido.
Me esforçara para lembrar algum outro momento de minha vida em que sofrera tanto, mas nem mesmo os castigos e proibições mais medonhos a mim impostos chegavam perto das consequências que me causara o amor negado.
"Impressiounou os nervos de forma tal que...- o médico comentou - precisará de um mês de repouso"
A verdade é que deitada ali não desejava nada. Nem comer, nem dormir, beber, conversar, nem caminhar sob a luz do sol, nada.
Não ouvia ruído algum. Meus olhos estavam bem fechados e logo a embriaguez dos sonhos apoderou-se de meu corpo debilitado. Pensamentos indefinidos e incontroláveis invadiam com cenas desconexas minha mente, e, vindo em fluxos descompassados logo desprenderam-me da realidade.
Liberta. Meu corpo tão leve. Não havia mais peso algum, de existencia alguma, dor ou angústia. Ao contrário, uma felicidade absurda veio até mim..., e havia música...uma música sempre presente, com uma melodia estrangeira, encantadora.

" Ele não pode ser seu, nunca será. Ele não quer " E uma risada nojenta finalizou as frases.
No paralelo só meus sentidos funcionavam, controlados não pela mente, mas pelas vontades; estas muito mais selvagens e perigosas.
Então logo me dei conta do que acontecia. Meu corpo inerte estava sobre a cama e lá ficara. Mas a alma estava deitada em outro lugar, outra cama. A impressão era de estar com as mãos cruzadas sobre o peito. Ainda que estivesse de olhos bem abertos o ar estava desfocado, tudo era de um branco muito pálido e borrado. Então uma sombra se inclinou sobre meu corpo esticado. "É ele, meu carrasco!" um tremor e um arrepio. Não, não é. A pessoa se debruçou ainda mais sobre mim. Senti algo esbarrar de leve sobre minha face. Longos cabelos. Um homem...me senti anestesiada...já não podia manter os olhos abertos...mas sua silhueta me ficara gravada na retina. Passava a mão sobre meus cabelos, alisando-os, delicadamente.
Alguns instantes depois consegui perceber que ele falava, mas falava numa língua estranha, quase cantada. Não faço idéia do que falava, mas eram palavras carinhosas, cheias de afeto, uma voz reconfortante. De repente passou uma das mãos por detrás de minhas costas para me levantar, e então colocou-me um colar. Deitou-me novamente. E então fechei os olhos e me perdi naquele estado de embriaguez. Como poderia estar em dois paralelos distintos ao mesmo tempo foi algo que só me questionei bem mais tarde. Ali naquele momento, tudo o que desejava, era continuar semi-lúcida, em companhia daquele homem, que de alguma forma, me era tão familiar....quem era?....quem........quem..............qu....q?

Pintura: É da Dorothea Tanning, fantástica essa mulher...a capacidade de pintar o surreal que tento narrar....!!!

Um comentário: