domingo, 29 de agosto de 2010


Esticou o braço para pegar algo que brilhava sobre a mesa. A mobília da sala era escura, suas prateleiras cheias de livros expunham a singularidade daqueles que ali viviam.
De costas para a janela, sentada na poltrona de espaldar alto, seus braços contrastavam com os móveis. Ela era a única matéria que refletia a luz pálida daquele dia.
Tinha os olhos postos no objeto frio que segurava entre os dedos. Um nó na garganta, o coração batendo aflito, muito desperto. Inspirou fundo, e silenciosamente. Esticou os braços nus e colocou-os sobre seus joelhos. A poltrona era larga o bastante para que apoiasse os pés sobre o couro antigo.
Lágrimas começaram a escorrer silenciosas. Instantes depois explodiu num choro agônico. A lâmina atravessou sua carne, de um lado a outro. E o sangue brotou tinto, incandescendo-lhe a brancura. E a dor fez com que se levantasse da forma que pôde e fosse cair no chão, com as costas apoiadas sobre a muralha de livros.
Sentia as pernas tremerem, o estômago revirar quando os soluços acabavam com o ar. As tripas queriam lhe sair pelos olhos e as lágrimas encharcavam sua roupa. Os cabelos grudavam em sua testa. Era bela chorando. Os cabelos negros e ondulados fazendo a moldura dos olhos dilatados e expressivos.
A chave virou na fechadura. A porta rangeu ao ser aberta e o sorriso do homem que a amava desapareceu.
A cena arrancou-lhe qualquer palavra. Com os braços esticados sobre as pernas, tombando para um lado, Lilith sangrava mortalmente; aos prantos.
Ele sentiu suas pernas fraquejarem. As cores desapareceram de seu rosto atordoado.
Com um grito de desespero conseguiu forças para cruzar a portentosa sala. As lágrimas lhes eram inevitáveis.
Ela, um tanto assustada com o horror que causara em seu Lord e com o sangue que inundava o chão, fez mais um corte profundo em seu braço direito:
- Deixe-me. Deixe-me!
- Meu amor, o que acont.....
Abaixou-se, levantou seu corpo ensangüentado com dificuldade. Desistiu. Não havia tempo. Colocou-a estirada sobre o sofá, pegou o telefone e ligou para a emergência.
Enquanto tentava explicar, em prantos, o ocorrido pelo telefone, olhava-a no sofá; tinha desmaiado.
A mulher que amava morria. Estava perdendo a vida como sempre desejara ardentemente. Seu ventre arquejava penosamente para cima e para baixo. Estava difícil respirar.
Penoso telefonema feito, correu para junto dela. Tirou sua camisa e enrolou sobre seus ferimentos profundos, fazendo um torniquete. Colocou-a em seu colo. Estava quase deitado junto dela. O socorro não podia tardar. Continuava em prantos. Nenhum outro ruído a não ser os soluços e palavras abafadas. Puxou-a para mais perto de seu coração:
- Não me deixa, Lilith... – os dentes semicerrados, mal conseguia falar – meu amor...
Quando o socorro chegou, foi muito difícil fazer com que ele soltasse o corpo da garota. Foram preciso três pessoas para convencê-lo de que ela ainda tinha alguma chance de sobreviver.
A sala ficou vazia. O sangue brilhou iluminando os móveis por algumas horas.

† Corvo †
- Silêncio Absoluto -

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