terça-feira, 7 de setembro de 2010

Escrevendo...



As margens das antigas vielas estavam repletas de folhas secas. Fazia um frio úmido ali dentro, e qualquer interferência exterior desistia ao tentar atravessar as altas muralhas de cimento. Nada abalava aquela tranquilidade "morrida". O próprio vento parecia nascer ali mesmo, em uma das extremidades do terreno e depois, varrendo-o saudoso, entediava-se e dispersava suave, até perder suas forças e desaparecer, entre os inúmeros caminhos. As rachaduras atravessavam tortuosas metros e metros do pavimento antigo deixando claro, pelo menos para um observador cauteloso, que tudo aquilo não pertencia a ninguém. Na verdade, era um pouco paradoxal, porque ali, tudo tinha vida: o cimento, a natureza, as pedras, o céu, as almas. Basta a mesquinha interferência humana se afastar e surge a vida de verdade, com suas próprias leis, causando calafrios naqueles que se julgam vivos realmente.

Sempre que venho, faço caminhos diferentes. Nos dias de tempo bom, como dizem, quase sempre encontro pessoas vagando entre os jazigos, distantes de tudo. É como se na terra dos mortos elas se anulassem. Aqui, a vida não tem nenhum valor, é poeira que se acumula entre cantos e frestas, sobre as emendas de mármore dos mais abastados, sobre as letras apagadas dos mais simples.

Hoje o tempo está "ruim", como dizem, mas a verdade é que adoro esses dias. A luz baça entre as nuvens opacas e o ar mais gelado me trazem a sensação de que a humanidade não é nada além de uma morada temporária, uma passagem que logo terminará. Um alívio...pelo menos para mim.

Hoje trago-te lírios, porque na semana passada foram rosas vermelhas (ai, aqueles espinhos...), na outra semana foram...

Número 7, quadra 15, meus pés viram à direita sem questionar. Passo pelos Montori, pelos Nascimento, pelos Netos. E toda vez que estou quase chegando meu coração acelera um pouquinho. Que tipo de esperança? Não sei. Esperança de morrer, de te ver em assombração...qualquer que seja...

E quando olho o nome de tua família encrustado na pedra o coração desacelera e viro presa fácil das lembranças, cenas passadas. Meus olhos rapidamente perdem o foco, nenhuma imagem ao meu redor é necessária pois o palco é montado dentro de mim mesma: palavras, melodias, sons, detalhes. Todas as vezes me ocorrem lembranças diferentes.

...nossas tardes juntos. O sangue que corria em mim corria dentro de ti também. Enquanto estávamos deitados lado a lado na cama, a tarde ia desmaiando vermelha e laranja. Abraçava-te firme para que tu não me escapasses. E assim passava horas perdida dentro de teus olhos, desejando que o tempo deixasse de passar. Mas ele não parou...

Tantas lembranças...e agora as lágrimas escorrem copiosas...

Às vezes choro alto, não sei dizer, e todas aquelas lápides portentosas do século passado me envolvem e não deixam que o som se propague. Não há viv'alma que escute, imagino.




(continua)


†Corvo†
-Memórias -










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