quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Linhas Antigas V - Ritual



Esqueci da acetona. Com um esforço preguiçoso fui até a gaveta pegá-la. “Here comes the rain again...”. Levantei da cadeira dançando languidamente. Olhei-me no espelho. Através dele. Nossos olhos encontraram-se provocantes. Eu e ela. Ela! Aquela minha metade que insistia em rir da outra que foi sepultada. Os cabelos negros desgrenhados, as olheiras confundindo-se com o contorno negro da maquiagem. Óh! Que Byron diria se me visse rodopiando com meu par invisível, os olhos vidrados, a alma cheia de melodias obscuras?
O cheiro forte de acetona me fazia tossir. Resquícios de gripe. Resquícios de coração. Tudo espalhado pelo chão. As unhas agora pretas, refletindo foscas a luz da luminária amarela.
- Muito melhor assim! – Byron contemplava-as.
...Em meio a um ritual. A fogueira estalando alta. Sacrifício, altar, magia. Faces desconhecidas, encobertas. Os pés descalços e leves, guiando minha alma embriagada. “Our 666 has got a name...” As escamas arrepiadas. Dançava com movimentos sensuais, lentos, preparando um encantamento. Sabia que ele me observava de longe. Entre as árvores densas. “We burn in flames again and again, in our dark secret love...”
O fantasma de Byron aplaudia – Bravo! Bravo! – o bater de palmas distantes.
Caí, e ninguém me viu. Permaneci. As folhas secas enroscadas em meus caracóis negros. As formigas caminhando sobre meu corpo. Aranhas com pernas longas e asquerosas caminhavam sobre mim, arrepiando-me. Delírios.
O hálito fresco e gélido do orvalho despertou-me. O verde-musgo das copas das árvores. Os pedaços recortados do céu quase branco. Estava nos braços do homem que adorava. Levantei-me e ajeitei meu corpo sobre o dele. Desenroscadas, as folhas secas agora estavam no chão, encharcadas de acetona...


† Corvo †
- Memórias...

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